Jornal Estado de Minas 5c1a2w

ARTE URBANA

CURA: como o espírito maxakali tomou conta de prédio em BH 5i1013

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Ao levar os painéis gigantes do Circuito Urbano de Arte (Cura) para a Praça Raul Soares, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, as curadoras e os artistas selecionados para a edição de 2021 do festival evocaram a presença indígena na capital. Neste ano, essa conexão com os povos originários é reforçada pelos traços da artista Sueli Maxakali, que assina a obra da empena do Edifício Roma, localizado no número 466 da Avenida Paraná.




 
Com 60 metros de altura, o pode ser apreciado da Praça Raul Soares, local escolhido pela curadoria para sediar o festival exatamente pela presença indígena já marcada no chão da praça, que precisou ser “escavada” numa arqueologia urbana, uma vez que só era lembrada nas denominações de ruas e quarteirões de BH.
 
A obra foi concebida a partir dos saberes de um ritual dos tikmu’un, povo indígena que habita território compreendido entre Minas, Bahia e Espírito Santo. Besouros, peixes grandes, cachorro, jacaré listrado, estrela, Sol, Lua, um homem negro e um morcego são figuras que compõem o .
 
Elas contam a história da integração desse povo à natureza, reada em cantos. O Sol e a Lua, como astros que conduzem o ritual, materializado numa madeira sagrada, que depois será reintegrada à terra pelos besouros, mostrando o valor de cada ser, por menor que seja, no equilíbrio da vida, segundo a cosmovisão dos indígenas. Segundo Sueli, a imagem do negro é o reconhecimento da colaboração para os rituais do povo tikmu’un.




 
A artista Sueli Maxakali e a enorme tela de 600 metros quadrados: "Tive medo, mas meu ritual me deu força para que eu pudesse mostrar a cultura do meu povo" (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
Sueli encontrou nas diferentes linguagens artísticas maneiras de contar a história do próprio povo. Encantou-se primeiro pela fotografia, depois pelo cinema, arte já realizada pelo marido, Isael Maxakali, que participa da pintura da empena em Belo Horizonte com ela. A pintura de painéis veio na sequência.

No portifólio, ela soma belíssimos e importantes trabalhos. Começou como fotógrafa no projeto Imagem-corpo-verdade, cujas fotos foram reunidas no livro “Koxuk Xop: Imagem”. Codirigiu com Isael os filmes “Quando os yamiy vêm dançar conosco” (2011), “Xopapoxnag” (2013), “Kotkuphi” (2013) e “Yamiy” (2014).

Identidade 3b3i4f

Sueli afasta os ataques equivocados direcionados aos indígenas que usam tecnologia, como se isso os afastasse da identidade original. Ela afirma que esses povos não estão presos ao ado, e que a tecnologia é uma aliada importante para que possam rear a cultura e a tradição dessas etnias, que foram alvo de um apagamento desde o Brasil colônia.




 
“Sueli e Isael tiveram esse primeiro contato com balancinho, com uma pintura em grande escala. Nós que fizemos a assistência, amos um pouco como funciona o equipamento, como é a subida, como fazer para transformar aquela pincelada pequena em algo maior”, conta Wanatta Rodrigues, que deu e ao casal ao lado do também artista de Belo Horizonte Ach. “Por isso que a gente quer combater essa visão. O indígena não é do ado. É nosso conhecimento, nossa sabedoria também. Hoje o indígena conhece a tecnologia. O índio ficou mais moderno de conhecimento”, defende.

A pintura 5w1p14

Sueli relatou a sensação de quando chegou diante da empena que pintaria. “Nunca esperei. A primeira vez que subi, fiquei com medo, um pouco assustada. Achei que ia desmaiar. Aí pedi ao meu ritual, que me deu força para que eu pudesse mostrar a cultura do meu povo”, diz. A artista espera que o seja um alento para todos os indígenas que chegam à cidade. Muitos vêm para estudar, como ela fez ao se graduar e fazer o mestrado na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. Sueli também recebeu o título de doutora honoris causa.
 
“Com essa pintura, trouxe o espírito forte para dentro de BH. Queria deixar também para muitos alunos que vão ar no vestibular aqui”, disse, reforçando que a imagem tem o papel de acolher a diversidade e mostrar aos jovens indígenas que a capital de Minas também é a casa deles.

Gaviões 4n1yw

Wanatta destaca a rapidez com que Sueli dominou a técnica. “Ela e o Isael ficaram supercontentes, felizes com o processo de pintar, embora seja um pouco exaustivo. É um trabalho muito físico, uma estrutura muito grande, uma parafernália no corpo para dar segurança. Mas, quando sobem, ficam muito confortáveis. Eles lembram o tempo todo que somos gaviões e que estar no alto para eles é uma coisa natural, tão natural quanto a luz do dia”, conclui, referindo-se ao casal, unido há 30 anos, com dois filhos e nove netos. O com 601,5 metros quadrados integra o circuito que tem como curadoras Juliana Flores, Priscila Amoni e Jana Macruz, além de Flaviana Lasan, convidada para esta edição.