Entidade de proteção animal faz 100 anos com feira de adoção
Sociedade mais antiga de Minas dedicada à defesa de bichos em situação de abandono completa 100 anos neste sábado (14), com feira de adoção e parabéns simbólico
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Siga noA Sociedade Mineira Protetora dos Animais (SMPA), entidade mais antiga de Minas Gerais dedicada à defesa de bichos em situação de abandono, completa 100 anos neste sábado (14/6). Para celebrar a data, será realizado um evento que inclui uma feira de adoção e um parabéns simbólico com bolo vegano.
Fundada em 14 de junho de 1925 por um grupo de 17 pessoas lideradas por uma mulher chamada Clotilde, a SMPA nasceu com o objetivo de tentar amenizar a situação dos animais de rua. A sociedade foi pioneira em Minas Gerais e a segunda criada no Brasil, atrás apenas da União Internacional Protetora dos Animais (UIPA), fundada em São Paulo, em 1895.
A historiadora da Fiocruz Minas, Natascha Ostos, explica que a partir do século 20 diversas entidades do tipo foram criadas em vários estados do país. “Em Minas Gerais também foram fundadas sociedades protetoras, muitas delas criadas por mulheres que, historicamente, demonstravam empatia com os bichos, correlacionando situações de opressão feminina com os maus-tratos aos animais.”
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A SMPA começou na rua Fernandes Tourinho, na Savassi, Região Centro-Sul da capital, ando por mais duas sedes provisórias, até se fixar no Bairro Guarani em 1971. Até 2015, a entidade funcionou nesse espaço com o desafio constante de abrigar centenas de cães e gatos abandonados, até mesmo de cavalos, pintinhos, aves e suínos.
Durante as décadas seguintes, a SMPA sobreviveu com o apoio de voluntários apaixonados pela causa. A sede no bairro Guarani abrigou centenas de animais e foi o palco de importantes ações contra maus-tratos, com diligências feitas em uma Kombi, que incluíam desde o combate a rinhas de galos canários, atendimentos a equinos e até cirurgias emergenciais feitas por estudantes e médicos veterinários voluntários.
O crescimento da cidade e a ausência de políticas públicas específicas agravaram a situação do abrigo. A entidade ou a lidar com o abandono diário de dezenas de animais na porta, gerando superlotação e denúncias. A situação levou à intervenção do Ministério Público em junho de 2014. Eram mais de 250 animais no local, todos vacinados e castrados, mas as condições do abrigo eram muito ruins. Em 2015, a sede no Bairro Guarani foi demolida e o lote ficou à disposição da Justiça, para sanar as dívidas da entidade.
Sob a gestão de Flávia Quadros, médica veterinária formada pela PUC Minas, os animais foram realocados para uma casa mais adequada na região metropolitana da capital, com áreas verdes e acompanhamento veterinário. “A sede no Guarani foi essencial, mas também um fardo. O número de abandonos era insustentável”, lembra Flávia. Por causa disso, o endereço atual não é divulgado para evitar novos casos de abandono.
Hoje, a SMPA abriga 60 animais, sendo 54 cães e seis gatos, e trabalha para promover adoções responsáveis. “Nosso foco é girar a estrutura. Recuperamos a saúde do animal, estudamos o perfil dele e buscamos uma família compatível”, explica Flávia. A adoção só é concluída após entrevistas com o novo tutor e visitas na residência.
A SMPA atua em parceria com outras ONGs promovendo eventos de adoção em todo o estado. A entidade não recebe recursos públicos, o trabalho é mantido por doações de apoiadores da causa. Os desafios, no entanto, persistem. “Nossos maiores gargalos são a falta de recursos e a baixa taxa de adoção. Não conseguimos resgatar mais animais porque não temos lares suficientes”, lamenta a presidente.
Flávia também destaca a falta de voluntários. “Com recursos adequados poderíamos ampliar projetos educativos para alcançar mais voluntários. Além disso, haveria condições de promover mais ações de resgate. No entanto, o resgate só faz sentido se completar na adoção, que representa o segundo maior desafio”, explica. Apesar das dificuldades, o legado da SMPA é reconhecido. Cerca de 900 animais foram resgatados e adotados desde 2015.
Impacto para a sociedade
A SMPA teve um papel importante na primeira lei de proteção animal em Belo Horizonte. Foi reconhecida pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) em 1926 como órgão auxiliar na proteção animal, pelo Decreto nº 12, de 10 de junho, que regulamentou a proteção aos animais no município.
A pesquisadora Natascha De Ostos explica que desde o início do século 20 alguns projetos de lei foram apresentados visando proteger os animais, mas eles não foram adiante. “Somente em 1934, no governo de Getúlio Vargas, foi promulgado o Decreto nº 24.645, estabelecendo medidas de proteção aos animais em âmbito nacional. O texto foi redigido em parceria com a UIPA de São Paulo.”
Ao longo dos seus 100 anos, a SMPA percebe uma crescente conscientização da sociedade sobre os direitos dos animais. “Hoje, mais pessoas reconhecem e combatem os maus-tratos com empatia e iniciativa. Essa mudança, mesmo sem resolver totalmente os problemas, demonstra avanço”, afirma Flávia.
Desde 2018, a entidade atua com palestras educativas levando a discussão sobre os direitos dos animais para crianças e jovens nas escolas, com a colaboração da ativista Sueli Campos. “É necessário investir na conscientização para que no futuro eles possam agir com compaixão e respeito com todos a sua volta, incluindo os animais,” completa.
Natascha afirma que a sociedade está mais atenta para a questão no varejo. "Os animais que têm ‘dono’, ou que podem ser individualizados, são alvo de empatia, mas quanto mais se distanciam do nosso cotidiano e realidade, menor a atenção que recebem, como a questão da criação de milhões de animais para abate e a defesa da fauna brasileira", alerta.
Desafios e resistência
Ao longo de um século, a SMPA enfrentou ausência de políticas públicas, falta de apoio financeiro e burocracias legais. Até hoje, por não estar prevista no Plano Diretor e na Lei de Uso e Ocupação do Solo de Belo Horizonte, a entidade nunca teve alvará oficial, o que gerou sucessivas multas e dívidas.
Ainda assim, resiste com a força de sua causa. “Se hoje há mais consciência sobre guarda responsável, maus-tratos e direitos dos bichos, é porque a SMPA ajudou a abrir esse caminho”, avalia Flávia.
Memórias
Ao longo dos 100 anos, dezenas de voluntários que ajudaram a consolidar a SMPA se revezaram na missão de amparar milhares de animais. A jurista Edna Cardozo relata que na década de 1970, quando foi vice-presidente, criou o ZOO Jornal para dar mais visibilidade à causa animal. “Com a falta de recursos e para aumentar o número de adeptos à causa, levando o conhecimento do que acontecia e conscientizando as pessoas sobre a responsabilidade em relação aos animais, comecei a escrever e editar boletins, distribuídos aos sócios, autoridades e imprensa.”
O veterinário Vitor Ribeiro atuou como voluntário em 1979, durante a faculdade. Ele lembra que ava os fins de semana com colegas, fazendo atendimentos na sede. “Na época, não havia médico veterinário na SMPA então ligávamos para um professor, encaminhávamos animais para cirurgia e, quando chegava segunda-feira, esclarecíamos com os professores os casos que não conseguíamos resolver. Havia longas filas não só de cães e gatos, mas também porcos e cavalos”, relata.
Já Franklin Oliveira, protetor conhecido em BH, conta que ou por vários cargos na SMPA. “Fui fiscal de maus-tratos, conselheiro fiscal, vice-presidente e presidente. Em 1986, ei a fiscalizar as denúncias de maus-tratos a animais que chegavam através de cartas e anúncios nos jornais Diário da Tarde e Estado de Minas. O trabalho da SMPA marcou o início da história da defesa dos animais em Minas Gerais. Trabalho importantíssimo ao longo da história. Tinha até carteirinha de protetor mirim”.
SERVIÇO
Evento: 100 anos da Sociedade Mineira Protetora dos Animais
Quando: Sábado (14/6), das 10h30 às 17h
Local: Cobasi - Avenida Nossa Senhora do Carmo, 1.700
informações: @smpabh
*Estagiária sob supervisão da editora Vera Schmitz